STAYAWAY coercivity 1298

A aplicação STAYAWAY COVID foi desenvolvida para a DGS e o Ministério da Saúde pelo INESC TEC, ISPUP, Keyruptive e Ubirider. Esta aplicação permite avisar, de uma forma anónima, as pessoas que estiveram em risco elevado de contágio, isto é, a menos de dois metros de um caso positivo durante mais do que 15 minutos, nos últimos 15 dias. Para tal, é necessário que se cumpram várias condições: (i) que quando se cruzam, os utilizadores tenham consigo um smartphone onde a aplicação esteja instalada, (ii) que o Bluetooth esteja ligado, (iii) que, no caso de um dos utilizadores contrair a COVID-19, este receba um código numérico e (iv) que insira o código na aplicação. Reunindo todas estas condições, o sistema STAYAWAY COVID, anonimamente, poderá alertar as pessoas sujeitas a elevado risco de contágio. Segundo a descrição da aplicação, esta é “de utilização voluntária e gratuita e, em momento algum, tem acesso à sua identidade ou dados pessoais”.

Sabe-se que a COVID-19 tem tido maior impacto nos idosos, com o registo de vários surtos em lares, e nos grupos mais vulneráveis socioeconomicamente. Estes são, no entanto, grupos normalmente com menor literacia no uso de tecnologias, necessária para a utilização da aplicação. Talvez isso explique o facto de, apesar da aplicação já ter sido descarregada por dois milhões de utilizadores, entre os mais de 38 mil doentes identificados apenas terem sido inseridos 300 códigos na aplicação, dos 730 gerados desde que a aplicação foi lançada. Para garantir que haja adesão, é necessário que estas ferramentas de gestão da doença sejam claras e fáceis de usar.

Recentemente, mediante a ameaça do aumento de casos e sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde,  o Primeiro Ministro colocou a hipótese da aplicação deixar de ter um carácter voluntário. Surgiram imediatamente questões acerca da constitucionalidade desta medida e, em particular, como fiscalizar o seu uso, garantindo a privacidade dos dados e o direito à anonimidade, asseguradas pela mesma desde o início. Este tipo de atuação pode ser considerado paternalista porque diminui a responsabilidade individual na atuação, na medida em que tenta defender os indivíduos, mas à custa da diminuição da sua autonomia, liberdade de escolha e até mesmo invasão da sua privacidade.

Previamente, algumas medidas de saúde pública com carácter obrigatório demonstraram aceitação pelo público, como por exemplo a proibição de uso de tabaco em espaços fechados. Esta medida, demonstrou ser efetiva, principalmente se abrangente e se sujeita a fiscalização (1). No entanto, sabemos que tornar estratégias obrigatórias, quando estas não são compreendidas ou são consideradas injustas, pode ser contraproducente. Fehr e Rockenbach (2) defenderam que pode aumentar-se a cooperação social quando se recorrem a sanções ou incentivos. No entanto, os mesmos autores perceberam que esses incentivos ou sanções podem afetar o altruísmo, se forem considerados injustos. Assim, esta forma de atuação pode ter eliminado a possibilidade de sucesso da STAYAWAY COVID, cuja eficácia ainda está por determinar, à semelhança de outras aplicações internacionais de rastreio de contactos, e desgastado a imagem e confiança nos decisores políticos.

Realmente, existe uma linha ténue que separa o imperativo de cumprimento das medidas de saúde pública e o paternalismo. Mas a ciência pode dar-nos pistas sobre estratégias que sejam capazes de influenciar positivamente as escolhas. Pode, por exemplo, levar-se as pessoas a agir de acordo com o seu melhor interesse sem necessitar de recorrer a medidas coercivas, usando a arquitetura da escolha (nudges), (3).  Enquanto isto, neste momento torna-se essencial recuperar a confiança nos decisores políticos, clarificando as mensagens que são passadas e recorrendo menos ao medo e coercividade, de forma a ter resultados mais animadores em termos de saúde pública.

Joana Alves

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

Referências
– Brown, T., Platt, S., & Amos, A. (2014). Equity impact of population-level interventions and policies to reduce smoking in adults: a systematic review. Drug and alcohol dependence, 138, 7-16.
– Fehr, E, & Rockenbach, B. (2003). Detrimental effects of sanctions on human altruism. Nature, 422(6928), 137-140.
– Thaler, R. H., & Sunstein, C. R. (2009). Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness.