Sustentabilidade Ambiental nos Medicamentos: Um Desafio Global e o Papel Crucial do Farmacêutico (Opinião) 365

 

 

 

Duarte Pinto

Vogal da Direção da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF)

 

 

O impacto ambiental dos medicamentos tornou-se uma preocupação crescente. O ciclo de vida dos medicamentos, que abrange desde a sua produção até à eliminação, pode causar – como a maioria da atividade de produção industrial – impactos negativos no ambiente. A contaminação dos solos e das águas com resíduos farmacêuticos e impacto dos inaladores na poluição atmosférica são alguns exemplos prejudiciais aos ecossistemas e à saúde pública.

Ainda que a sustentabilidade ambiental seja uma preocupação da atividade farmacêutica, e da atividade regulamentar em particular, e apesar de desde o início de 2000 existirem várias estratégias e medidas, é necessário reconhecer que estas ficaram aquém da dimensão e complexidade do problema. A evidência disponível indica que a presença de substâncias orgânicas e inorgânicas, óleos e outras partículas provenientes dos agregados familiares ou das indústrias, incluindo resíduos de medicamentos, no meio ambiente pode exacerbar problemas como a resistência antimicrobiana, além de contribuir para a poluição da água e do solo. Assim, a necessidade de uma abordagem mais consciente e rigorosa no que toca à sustentabilidade ambiental dos medicamentos tornou-se incontornável.

Para enfrentar esses desafios, a União Europeia (UE) lançou o Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal): uma estratégia ambiciosa que visa tornar a Europa o primeiro continente neutro em carbono até 2050. Dentro deste quadro, a proposta de revisão da legislação farmacêutica, apresentada pela Comissão Europeia em 2023, coloca a sustentabilidade ambiental como um dos seus seis principais objectivos. Esta proposta não só reconhece a importância de reduzir o impacto ambiental dos medicamentos, como também visa estimular o setor farmacêutico a promover uma economia circular e responsável.

As medidas previstas na revisão da legislação europeia complementam as principais iniciativas ambientais da UE, particularmente o plano de ação “Rumo à Poluição Zero no ar, na água e no solo”. Estas medidas incluem a revisão de três áreas-chave: a Diretiva de Tratamento de Águas Residuais Urbanas, a Diretiva de Emissões Industriais e a lista de poluentes das águas superficiais e subterrâneas, nos termos da Diretiva-Quadro da Água. Além disso, a proposta está alinhada com a Abordagem Estratégica relativa aos Produtos Farmacêuticos no Ambiente, estabelecendo novos padrões para mitigar os riscos ambientais durante o ciclo de vida dos medicamentos.

Um dos pilares desta estratégia é a introdução da abordagem “uma substância, uma avaliação”, com o objetivo de aumentar a eficiência do registo de substâncias químicas e evitar duplicação de esforços, nomeadamente testes desnecessários em animais. Além disso, a proposta reforça a necessidade de avaliações de impacto ambiental mais detalhadas para novos medicamentos, concentrando-se na contaminação dos recursos hídricos e solos por resíduos farmacêuticos.

Outro elemento central da proposta de reforma é a criação de orientações mais claras para que as empresas farmacêuticas assumam uma maior responsabilidade por todo o ciclo de vida dos seus produtos. Isto inclui a gestão sustentável de resíduos, promovendo o desenvolvimento de medicamentos e processos de produção que gerem menos resíduos tóxicos e que sejam mais biodegradáveis.

O Papel do Farmacêutico na Sustentabilidade Ambiental

Neste cenário em evolução, o papel do farmacêutico é essencial. A Federação Internacional Farmacêutica (FIP), no seu relatório sobre a sustentabilidade na prática farmacêutica, sublinha a importância dos farmacêuticos enquanto promotores de práticas sustentáveis. A sua posição única na cadeia de saúde permite-lhes atuar tanto no aconselhamento ao público como na educação de outros profissionais de saúde sobre a necessidade de práticas ambientais responsáveis.

Neste relatório desenvolvido em 2023, a FIP emitiu seis recomendações prioritárias para as organizações farmacêuticas e os profissionais de farmácia. Entre elas, destaca-se a importância de os farmacêuticos assumirem um papel ativo na educação do público sobre a eliminação adequada de medicamentos, uma vez que grande parte do impacto ambiental decorre de práticas incorretas. Campanhas de sensibilização e programas de recolha de medicamentos são essenciais para atenuar este problema.

Além disso, a FIP sublinha a necessidade de adotar práticas sustentáveis nos seus locais de trabalho, como a redução do uso de energia e a gestão eficiente de resíduos, promovendo formação contínua para capacitar os profissionais. Em Portugal, a Valormed desempenha um papel fundamental neste contexto. A Valormed é uma sociedade sem fins lucrativos, criada em 1999 e que tem como sócios as principais associações representativas do setor farmacêutico, que é responsável pela gestão de um sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens e medicamentos fora de uso, criado para recolher e assegurar o destino adequado destes resíduos, minimizando o seu impacto ambiental. A sua importância reside na promoção de uma eliminação correta e sustentável de medicamentos, ajudando a evitar que substâncias químicas prejudiciais contaminem o meio ambiente.

Por fim, a colaboração interdisciplinar entre farmacêuticos, médicos e outros profissionais de saúde é vista como vital para uma abordagem mais sustentável, promovendo a utilização racional de medicamentos e minimizando o desperdício. Além disso, o relatório da FIP realça a importância dos farmacêuticos se envolverem na formulação de políticas públicas que promovam a saúde ambiental, como a redução da poluição do ar e da água, áreas nas quais o farmacêutico pode atuar como defensor junto das comunidades e autoridades.

A implementação destas práticas, aliada ao cumprimento das novas exigências regulatórias da União Europeia, pode contribuir significativamente para a redução do impacto ambiental dos medicamentos, protegendo simultaneamente a saúde pública. Para tal, é essencial que os farmacêuticos sejam dotados dos recursos e da formação necessária para enfrentar estes desafios.

O futuro passa por um compromisso com a sustentabilidade. A integração de preocupações ambientais nas políticas de saúde e no quotidiano das farmácias será crucial para garantir que o setor desempenha o seu papel na construção de um futuro mais saudável e sustentável, tanto para as pessoas como para o planeta.