No contexto da atual pandemia, será que os hábitos de fumo estão alterados? É importante notar que existe uma compensação intrínseca ao tabagismo que afeta a decisão do indivíduo de fumar. Por um lado, o consumo proporciona prazer e bem-estar. Por outro lado, prejudica a saúde e acarreta custos. Estes custos estão associados principalmente ao aumento dos gastos com saúde e perda de produtividade no trabalho.
Existe um elevado número de fatores na pandemia que pode determinar uma mudança nos hábitos de fumar. Alguns que contribuem para aguçá-los, e outros para desestimulá-los. Por exemplo, o aumento da ansiedade devido ao quadro de instabilidade instalado durante a pandemia pode fazer aumentar o consumo de tabaco. Por outro lado, dado que a COVID-19 é uma doença respiratória, esta pode contribuir para o aumento da perceção de risco do ato de fumar. Mas qual foi o saldo final em termos de mudanças de hábitos de fumar em Portugal durante a pandemia?
De acordo com um estudo desenvolvido pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), através de um questionário online, desde maio até ao início de julho, a resposta parece ser: depende do fumador. Segundo o estudo, 12,7% tinham deixado o tabaco e 19,5% haviam reduzido a quantidade de cigarros. No entanto, um terço dos respondentes alegaram que aumentaram o consumo de cigarros. De certa forma, era expectável que existissem comportamentos opostos, uma vez que esta pandemia tem atingido diferentes franjas da população de maneira tão diferenciada. Houve trabalhadores que perderam o emprego, ao mesmo tempo em que outros não viram sequer o seu salário reduzido. Neste sentido, é razoável especular que para algumas pessoas o fator ansiedade possa ter eclipsado o fator risco, enquanto que para outras verifica-se o inverso.
Mas será que os fumadores estão, de fato, em maior risco de infeção e desenvolvimento de doença grave por COVID-19? Não existem, ainda, conclusões consensuais na literatura acadêmica que possam responder esta pergunta de forma assertiva. No entanto, a literatura sugere que se a pessoa fumadora já tiver problemas respiratórios ou cardíacos, a situação clínica possa se agravar caso seja infetada com COVID-19. Isto é, a evidência empírica sugere que existe uma associação positiva entre a pessoa ser fumadora e a probabilidade da COVID-19 progredir em caso de infecção. Além disso, um fumador de longa data já pode ter sofrido alterações pulmonares associadas a quadros de pneumonia, o que o pode deixar numa posição mais fragilizada face à COVID-19.
De acordo com a investigação que conduzo no meu doutoramento na Nova SBE sobre os hábitos de fumar em Portugal, estes dados são alarmantes, pois concluo que uma pessoa que coabita com fumadores tem maior probabilidade de se tornar um fumador, ou de aumentar o nível de consumo caso já seja fumadora. Assim sendo, num ambiente de confinamento, os dados do inquérito ao apontarem para um aumento do consumo podem gerar um aumento de recaídas e de consumo por via dos coabitantes.
Vale lembrar que antes da pandemia, em Portugal, de acordo com os microdados do Inquérito Nacional de Saúde, o número de fumadores já tinha registado um ligeiro aumento de 1995 para 2014. Em 1995, a prevalência de fumadores era de 17,91% e, em 2014, de 19,46%. Relativamente aos ex-fumadores, notou-se um aumento, o que é positivo, e pode ser atribuído às medidas públicas que têm vindo a ser implementadas. No entanto, o número de não fumadores esteve a diminuir, o que mostra que o tabagismo nos grupos etários mais jovens ainda é um grande problema em Portugal. Vale realçar que num contexto da atual pandemia, os jovens são menos afetados no que toca a mudanças na perceção de risco, mas são provavelmente muito afetados no que toca à ansiedade devido, entre outros fatores, a baixa empregabilidade.
Glaucia Possas Motta
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)