A análise sobre a evolução da despesa em saúde em Portugal ajuda-nos a compreender a trajetória do nosso sistema de saúde e, em particular, das políticas públicas em saúde. Onde estamos a investir os nossos recursos? Em prevenção, internamento, ambulatório médico, medicamentos, dispositivos médicos, tratamentos no domicílio?
Estas opções são cada vez mais relevantes num contexto em que, o atual modelo de serviços de saúde tem dificuldades em responder às necessidades e expetativas das populações, e em garantir a sua sustentabilidade financeira. Num modelo de governo democrático em que as escolhas públicas devem ser informadas e, tendencialmente, racionais estes dois fatores (capacidade de resposta e sustentabilidade) são interdependentes: não se investe em algo que não garanta satisfazer as necessidades. Caso se quebre essa ligação de confiança entre o investidor e o investimento, a disponibilidade do primeiro para sustentar este último estará sempre em causa. Por mais que esse investimento tenha sido relevante no passado, tal como foi e é o Serviço Nacional de Saúde (SNS) para a melhoria da esperança e qualidade de vida dos Portugueses.
Há largos anos que vamos falando em investir na prevenção da doença e na promoção da saúde em detrimento dos cuidados curativos. Por outro lado, cada vez é mais consensual, que o sistema de saúde precisa de se adaptar ao envelhecimento populacional e à cronicidade das condições de doença, apostando na “deshospitalização” e no desenvolvendo do autocuidado e dos cuidados de proximidade, incluindo cuidados no domicílio.
O peso do SNS na despesa total em saúde é substantivo: 59% em 2000 e em 2010, e 57% em 2015. Para proceder a uma análise das escolhas do SNS nos últimos 15 anos (2000 a 2015) importa reconhecer a relevância do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) na despesa em saúde. Assim, nesta análise, consideram-se três períodos de tempo: 1) o período que medeia entre 2000 a 2015 (último ano com dados disponíveis referente à conta satélite da saúde); 2) o período de tempo entre 2000 e 2010 (pré-troika; ano com maior investimento em saúde) e 3) o período de tempo entre 2010 e 2015.
O peso relativo dos cuidados curativos é esmagador. Em 2015 representavam 77,4% das despesas do SNS – um crescimento face aos valores de 2000 – 72,1% e 2010 – 72,9%. Os cuidados curativos podem ainda ser discriminados em internamento, hospital de dia, ambulatório e cuidados domiciliários. A redução do peso relativo dos cuidados em internamento (34,8% em 2000, 25,3% em 2010 e 25,5% em 2015) denota o esforço do SNS em promover os cuidados de ambulatório (30,3% em 2000, 37,9% em 2010 e 37,7% em 2015), seja este protagonizado pelos cuidados de saúde primários ou secundários, ou os hospitais de dia (6,4% em 2000, 9,3% em 2010 e 13,9% em 2015).
Efetivamente, a transição entre os cuidados em internamento para cuidados em ambulatório tem correspondido às necessidades de reforma: o desenvolvimento da cirurgia de ambulatório e a resposta nos cuidados de saúde primários são disso exemplo. Este efeito de “ambulatorização” também é verificado nas despesas diretas das famílias, em que a área de ambulatório cresce de 35,2% em 2000 para 46% em 2015. Ou seja, apesar do aumento da aposta pública no ambulatório, esta parece insuficiente, obrigando as famílias a um esforço suplementar para suprir as suas carências fora do SNS.
Ao nível dos cuidados de saúde domiciliários verificamos uma quebra acentuada na importância relativa desta atividade já de si pouco desenvolvida: 0,6% em 2000, 0,3% em 2010 e 0,3% em 2015. Nos últimos anos temos vindo a verificar um novo folgo nesta área com o desenvolvimento das equipas de cuidados continuados integrados ou com a hospitalização domiciliária. Apesar destes esforços, muito existe ainda a desenvolver neste campo por parte do SNS.
Na área do medicamento verificamos uma redução do seu peso relativo: 16,5% em 2000 e em 2010, e 13,6% em 2015. Estes dados parecem evidenciar o ajustamento ocorrido durante o PAEF, em que o preço do medicamento, e não a quantidade, foi substancialmente reduzido. Esta tendência verificou-se também para as famílias, passando o peso relativo dos medicamentos de 34,9% em 2000 para 27,1% em 2010, e para 24,7% em 2015. Outros estudos têm demonstrado que o medicamento mantém a liderança nas despesas catastróficas em saúde, pelo que esta tendência é na generalidade positiva.
Ao nível da prevenção, o investimento do SNS em 2015 resume-se a 1,1%, valor que tem vindo a deteriorar-se desde 2000, em que representava 2,3% da despesa. Ou seja, apesar de ser dada como uma prioridade política e técnica, os cuidados preventivos estão longe de se assumir como uma prioridade de facto para o SNS. Naturalmente, que muita da atividade de prevenção poderá ser contabilizada em outras funções do sistema de saúde (e.g. prevenção secundária), contudo esta tendência de desinvestimento em benefício dos cuidados curativos parece clara.
Num momento em que, o orçamento da saúde de 2018 está a ser preparado, devemos acompanhar de perto as opções governativas ao nível do volume do investimento e da sua distribuição. Será que o Governo e a Assembleia da República vão apostar mais no SNS? Será que essa aposta se traduz em Prevenção ou em Cuidados Domiciliários? Vão apostar em novas atividades em ambulatório, ou vão manter o enfoque nos serviços de urgência?
Em conclusão, vamos manter a aposta no modelo tradicional de prestação de cuidados? Ou vamos fazer evoluir o SNS em função das necessidades e das expetativas das pessoas, e da sua sustentabilidade?
Alexandre Lourenço,
Nova Healthcare Initiative – Research