A atividade das farmácias, tal como a grande maioria das outras atividades económicas, foi afetada pela crise económica. As fontes de impacto foram diversas. Há pelo menos três caminhos pelos quais esse impacto da crise se fez sentir. Cada um deles tem as suas características e tempo. Esses três caminhos principais foram (e são) os preços dos medicamentos, as margens reguladas dos medicamentos sujeitos a receita médica e o ambiente económico geral. A remuneração da atividade de uma farmácia resulta sobretudo da dispensa de medicamentos, em que a margem que fica para a farmácia teve sempre uma ligação ao preço do medicamento. Daqui resulta que quando os preços dos medicamentos sofrem uma redução acentuada, a farmácia para os mesmos custos tem uma remuneração menor. Quando a tendência geral é de crescimento do consumo de medicamentos pela população e ao mesmo tempo os preços desses medicamentos sobem, tudo corre bem. A inversão dessa tendência tem o efeito contrário, sem que haja instrumentos disponíveis para a contrariar por parte de cada farmácia. E desde outubro de 2010 (mais dia menos dia) que se passou a ter uma tendência de descida dos preços dos medicamentos, sobretudo dos medicamentos genéricos. A tendência iniciou-se por isso antes do programa de ajustamento e da troika. O programa de ajustamento consolidou apenas os mecanismos pelos quais essa tendência será permanente. A revisão anual de sistemas de comparação internacional de preços de medicamentos e as reduções de preços associadas com medicamentos genéricos fazem com esta tendência venha a ser uma fonte de pressão permanente para preços mais baixos dos medicamentos. As margens reguladas, a fonte seguinte, foram alteradas em 2012, essas sim por compromisso assumido no Memorando de Entendimento da assistência externa. Mas foram novamente alteradas no início de 2014. A primeira alteração teve dois efeitos, reduzir a remuneração das farmácias e introduzir o princípio de que essa remuneração pode ter uma parte que depende do preço do medicamento dispensado e uma parte fixa, por embalagem. A segunda alteração limitou-se a aumentar a parte fixa, reduzindo a parte percentual. Esta alteração embora não altere muito neste momento tem a vantagem de reduzir o efeito que uma redução de preços nos medicamentos tem sobre a remuneração das farmácias. O outro fator, o ambiente económico, leva a que haja menores aquisições de medicamentos mas também de outros produtos disponibilizados das farmácias. A ideia algumas vezes referida de que as farmácias podem compensar as menores margens vendendo outros produtos não é em geral correta nos tempos que correm. Destes três elementos principais, o primeiro que foi referido é permanente e vai continuar. Os preços dos medicamentos vão continuar a ter pressão para baixar. O segundo aspeto é também permanente, a alteração da forma de remuneração das farmácias tenderá a basear-se mais em valores fixos do que depender do preço do medicamento. Só o terceiro aspecto poderá vir a melhorar com o recuperar, ainda tímido neste momento, da atividade económica geral. Assim, ter e gerir uma farmácia irá obrigar a uma muito cuidada gestão dos vários custos (dos espaços, de pessoal, de stocks) e a uma inevitável procura de outras receitas. Desconheço qual será a solução, só não será voltar ao que já foi. A descoberta de que será a farmácia em 2020 terá se ser feita aos poucos, com possivelmente alguns becos sem saída. A partilha de experiências e o desenvolvimento de um caminho comum ajudarão a encontrar esse caminho. A definição de novas formas de contribuição da farmácia para o sistema de saúde, também face à própria mudança que o sistema de saúde irá tendo, terão de fazer parte deste trajeto. Neste contexto, a reparametrização da remuneração da farmácia nos medicamentos de margens reguladas, dando maior peso à parte fixa, ajuda a estabilizar as receitas. Do ponto de vista de racionalidade económica, nota 16 para essa medida. Só não é mais elevada porque só por si não garante o caminho que será preciso encontrar nos próximos anos. Pedro Pita Barros (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.) |