Uber: Uma perspetiva de saúde pública 1103

A Uber começou a operar em 2010 em São Francisco, Califórnia, e chegou a Lisboa em Julho de 2014. Atualmente a plataforma está disponível em mais de 350 cidades em 67 países.

Para bem ou para mal, a Uber veio revolucionar o mercado dos transportes coletivos. Alguns dirão que passageiros podem agora beneficiar de um serviço de transporte mais conveniente e até de melhor qualidade. Outros notarão a precariedade das condições de trabalho dos motoristas e a “concorrência desleal” para com os taxistas. Este artigo não pretende tomar uma posição favorável ou desfavorável em relação à Uber nem discutir argumentos diariamente debatidos na comunicação social, nas mesas de café, e nos bancos traseiros de tantos táxis e ubers. Também não pretende fazer publicidade à Uber em detrimento das mais recentes alternativas, nomeadamente a Cabify. Este artigo apresenta brevemente investigação científica recente que olha para a Uber de uma perspetiva de saúde pública: e se a Uber ajudar a diminuir o número de acidentes rodoviários causados pelo álcool?

As medidas convencionais de luta contra a condução sob influência do álcool incluem os limites legais de álcool no sangue e as campanhas de sensibilização, sobretudo em épocas festivas (por exemplo, este vídeo da PSP que se tornou viral no final do ano de 2016). A existência de alternativas de transporte pode também ter um papel relevante nesta matéria.

Fora das cidades, não existindo meios de transporte coletivo como o metro ou autocarros, a única forma de regressar a casa depois de uma festa é em automóvel próprio. Imagine-se um evento festivo como um casamento, ou uma festa popular de verão numa qualquer localidade de Portugal: ou a pessoa se abstém de consumir álcool, ou tem boleia de um(a) amigo(/a) que não bebe, ou arrisca e conduz para casa sob influência do álcool. Por exemplo na Suíça, existe uma quarta opção: a operação “nariz vermelho”. A operação nariz vermelho, sem fins lucrativos e de envergadura nacional, associa-se aos organizadores de festivais e outros eventos locais e recruta voluntários para conduzirem a casa aqueles que não estão em condições de conduzir, gratuitamente (em cada caso existem dois voluntários: o primeiro conduz o passageiro na viatura do mesmo, e o segundo voluntário recolhe o primeiro em casa do passageiro). Esta ação opera desde 1990 e tem tido grande sucesso.

Nas (grandes) cidades existem mais opções: metro, autocarro, táxi, e mais recentemente, Uber (e Cabify). Em relação às primeiras opções, a Uber trouxe mais flexibilidade e conveniência. Os transportes públicos como o metro ou o autocarro são pouco frequentes durante a noite (em Lisboa, o metro encerra entre as 01:00 e as 06:30). Com mais ubers nas ruas, para além dos táxis, o tempo de espera para os passageiros diminuiu. Para um passageiro alcoolizado, chamar um uber é particularmente conveniente, porque a aplicação usa o sinal GPS para detetar a sua localização e facilita o pagamento da viagem.

Partindo deste raciocínio, um novo estudo postula que o aparecimento da Uber no mercado dos transportes coletivos pode ajudar a reduzir episódios de condução sob influência do álcool e, por consequente, acidentes rodoviários causados pelo álcool (Peck 2017).

Usando dados para a cidade de Nova Iorque, a autora conclui que o aparecimento da Uber na cidade, em maio de 2011, reduziu o número de acidentes causados pelo álcool em 25% a 35% nos municípios afetados. A autora procura identificar um efeito causal, utilizando métodos de difference-in-differences e synthetic control. Investiga o efeito de potenciais confounders e efetua múltiplos testes de robustez e de efeito placebo. Ainda assim, deve ser mencionado que o estudo não foi ainda publicado e por isso não foi submetido a um processo rigoroso de revisão por pares. Sem conhecimento mais aprofundado sobre a cidade de Nova Iorque, nomeadamente do que pode ter acontecido durante o período da análise e possa estar a confundir o efeito encontrado, é difícil julgar a validade interna destes resultados.

Greenwood e Wattal (2015) investigam o efeito do aparecimento da Uber no número de vítimas mortais em acidentes causados pelo álcool na Califórnia. Os autores concluem que o aparecimento da Uber X diminuiu a taxa de mortes em acidentes em que pelo menos uma das partes estava sob influência de álcool em 3.5%-5.6% por trimestre.

A cidade de Nova Iorque e as cidades do estado da Califórnia, como todas as outras no mundo, são cidades particulares, e por isso não podemos concluir que seriam encontrados efeitos similares em Lisboa, por exemplo. No futuro próximo surgirão certamente outros estudos sobre a introdução da Uber noutras cidades. Fica o desafio para os interessados em descobrir os efeitos da Uber em Portugal.

Referências

Greenwood, BN & Wattal, S (2015). Show me the way to go home: an empirical investigation of ride sharing and alcohol related motor vehicle homicide. Fox School of Business Research Paper No. 15-054.
Peck, JL (2017). New York City drunk driving after Uber. City University of New York Graduate Center Working Paper 13.

Judite Gonçalves
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)