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Um quarto dos jovens consome fármacos para a concentração e para acalmar

01-Abr-2014

Cerca de um quarto dos jovens portugueses (dos 18 aos 29 anos) já consumiu fármacos para a concentração, quase a mesma proporção fê-lo para descontrair e acalmar, concluiu o primeiro estudo nacional realizado em Portugal sobre Medicamentos e Consumos de Performance, na população jovem, que foi apresentado esta segunda-feira no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa.

O objetivo da investigação, realizada por uma equipa do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, em parceria com a Egas Moniz – Cooperativa de Ensino Superior, foi perceber até que ponto é prevalecente o consumo de medicamentos ou produtos naturais destinados a melhorar o desempenho pessoal, o que inclui os que se destinam a melhorar à parte neuro-cognitiva, como a parte físico-corporal, explica a coordenadora do estudo, a socióloga Noémia Lopes.

Assim, perguntaram a uma amostra da população portuguesa com estas idades – foram inquiridos 1483 jovens entre 2012 e 2013 – se consumiam medicamentos e/ou produtos naturais para dormir, para a concentração, para descontrair/acalmar, para aumentar a energia física, para emagrecer e para aumentar a massa corporal. Da lista faziam parte dezenas de produtos, que incluíam desde a valeriana ao ginseng, de tranquilizantes a fármacos para dormir, do magnésio a complexos multivitamínicos, mas também bebidas energéticas. No total, 71,9% dos inquiridos já consumiram este tipo de produtos, refere a investigadora.

Mas o que ressaltou dos resultados foi sobretudo o consumo vocacionado para a melhoria da performance neuro-cognitiva. Os fármacos para a concentração e para descontrair/acalmar predominam nos consumos de performance da população jovem: respetivamente, 25,3% e 23,8% dos inquiridos. Com os mesmos objetivos mas desta feita com recurso a produtos naturais há 21% de jovens que dizem usá-los para descontrair/acalmar e 17,7% para melhorar a concentração.

Uma indústria “do natural”

Noémia Lopes refere-se à existência de «uma indústria “do natural”». Os jovens cada vez mais consomem «o natural, um setor sem regulação e sem controlo» e agora fazem-no muitas vezes «em alternância» com os medicamentos. Antes, os jovens faziam uma escolha entre consumo de medicamentos ou de produtos naturais. Mas, ressalva a socióloga, constata-se que, em geral, os consumos de fármacos ou produtos naturais para melhorar o desempenho são descontínuos e pontuais. «Tomam-nos durante dois ou a três dias e depois interrompem-nos».

O crescente uso de medicamentos para finalidades «de gestão do desempenho pessoal» é uma realidade que se insere no que os sociólogos designam «de farmacologização do quotidiano», refere Noémia Lopes. Ou seja, há cada vez mais pessoas a recorrer a fármacos e outros produtos medicamentosos para fins «que estavam fora do campo da saúde e da doença». «Ampliaram-se as funções do medicamento. Há uma nova relação com os medicamentos», que se relaciona com «superar os limites naturais, em atingir os máximos, em produzir a sua própria imagem».

Na performance física predominam os consumos para a energia física (10.3% dos inquiridos), seguido de produtos naturais para emagrecer (9,4% dos inquiridos). Em termos internacionais os estudos nesta área têm-se centrado no consumo de fármacos para concentração entre estudantes universitários, explica a investigadora. Este estudo, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, quis ir mais além, diz, estudando, além da população universitária, jovens trabalhadores sem formação superior que trabalham em call-centers e megastores (lojas com grandes superfícies). Noémia Lopes refere que estes consumos são comuns aos dois grupos de jovens mas há especificidades.

Maximizar o corpo e a mente

Os trabalhadores jovens manifestam mais preocupação com a questão corporal e, por isso, consomem mais fármacos ou produtos naturais vocacionados para a melhoria da sua imagem física e para se sentirem melhor. Em contraste, os estudantes investem mais em tentar maximizar a sua capacidade intelectual. No universo dos que consomem para melhorar a parte intelectual as raparigas estão claramente na dianteira face aos rapazes. A idade de início de consumo anda pelos 17 anos. Os que mais consomem fármacos para dormir são os inquiridos que trabalham em call-centers, mais do que os estudantes universitários, são 18,9% os que dizem fazê-lo. «Vivem um ambiente de grande pressão psicológica, quase física», nota.

«Uma grande surpresa» para a investigadora foi o facto de as bebidas energéticas serem usadas por cerca de 40% dos inquiridos para finalidades de melhoria do desempenho, sendo de longe o produto mais consumido. A investigadora nota que não se está a falar de pessoas que ingerem estas bebidas porque gostam do sabor, são consumos destinados a melhorar a performance. «São bebidas com grande doses de cafeína usadas tanto para se manterem acordados, nomeadamente em trabalhadores por turnos, como para aumentar a concentração», diz.

Hélder Raposo, sociólogo da equipa que se debruçou sobre as questões da perceção do risco, constatou que o consumo de medicamentos e produtos para descontrair, dormir e para a concentração são vistos como tendo menos riscos para a saúde. Os inquiridos dizem que os mais perigosos são os fármacos que se destinam a aumentar a massa muscular e para emagrecer.

Questionados sobre os efeitos dos seus consumos, só uma pequena minoria, 21,2% (o que corresponde a 315 pessoas) disse ter sentido efeitos negativos, surgindo no topo a insónia ou sonolência, as dores de cabeça e estômago, a dependência psíquica e as arritmias e tremores. São muitos mais os que reportam impactos positivos: 64,5% (o que corresponde a 957 inquiridos) descrevem melhoria na sua concentração, dizem ter ficado mais calmos em exames e entrevistas de emprego, reportam aumento de bem-estar e maior resistência para estudar durante longos períodos de tempo.

Segundo o “Público”, os investigadores tentaram também saber quais são as fontes de informação em relação a este tipo de medicamentos e produtos e aqui surgem as respostas clássicas, o médico, farmacêutico e os folhetos informativos sobre medicamentos e produtos, referiu, por sua vez, o investigador Telmo Clamote, do ISCTE. Mas, nesta área, surgem novas fontes a juntar às mais convencionais: os treinadores/monitores de atividades desportivas, o atendimento nas parafarmácias, os terapeutas de medicinas alternativas e o atendimento em lojas de produtos naturais.

No que toca à sua compra, os produtos destinados a melhorar a parte cognitiva são sobretudo adquiridos nas farmácias, os mais vocacionados para a performance física são mais adquiridos em locais como parafarmácias e lojas dietéticas, elencou o sociólogo do ISCTE. «Há uma expansão mercantil da oferta de recursos para a gestão do desempenho». Para o investigador, ficam no ar perguntas sobre as novas formas regulação deste campo em aparente expansão.