Uma despedida a falar sobre “arte” 729

Reconhecida figura do universo onde se movimentou durante mais de duas décadas, António Hipólito de Aguiar despede-se da Farmácia com o lançamento de mais um livro, novamente através da FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO e da Hollyfar. Na apresentação oficial da obra “A Arte da Gestão – Manual Prático para a Farmácia”, juntaram-se ao evento dois experts nas suas áreas, com apresentações sob o mote “Marketing Digital nas Farmácias: da estratégia à análise do resultado”.

Dono da palavra no início da sessão, como só poderia ser, António Hipólito de Aguiar falou sobre os 25 anos de ligação à FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO.

O autor começou por dizer que o livro é «uma nova edição de um livro que foi lançado originalmente em 1999, surgindo agora o desafio do editor para uma atualização».

A presente obra «procura compilar aquilo que todos estamos à procura: dicas para melhor gerir e para de alguma forma podermos melhorar o nosso desempenho. A gestão não se aprende num dia, todos nós fazemos um percurso, uns mais dedicados a uma área, outros a outras», frisou.

A importância da gestão

António Hipólito de Aguiar lembrou ainda que veio para a Farmácia Comunitária por «necessidade», em 1998, depois do pai falecer subitamente. Saiu, então, da Indústria Farmacêutica para a farmácia e foi desta forma que percebeu que «a gestão é uma consequência da operação», referindo ainda que «para nós, farmacêuticos, as farmácias são um local de missão, para servirmos os outros, mas atrás disso está uma farmácia que se tem de viabilizar».

O autor adiantou que «tem de haver este equilíbrio entre o propósito comercial, que de alguma forma nos viabiliza e nos faz estar vivos e a operar efetivamente, e aquilo que é a nossa missão enquanto farmacêuticos», sublinhando que «este livro é uma despedida da Farmácia Comunitária e é com prazer que essa despedida é secundada por colegas que aqui estão presentes hoje e por outros que não estão, mas que me deram o prazer de dar o produto voluntarioso de escrever partes do livro. São essencialmente essas partes do livro que nos permitem, no dia-a-dia, tirar o sumo da gestão».

António Hipólito de Aguiar reforçou o agradecimento a quem contribuiu para o livro e que «em 4 ou 5 páginas tiveram a mestria de compactar a mensagem do capítulo anterior».

Livro multifacetado

«Em 1999 estávamos num mercado que crescia a dois dígitos e ninguém pensava que passados cinco ou seis anos entravam no mercado os medicamentos genéricos, que catapultaram a farmácia para outra dimensão, mas com uma menor capacidade de faturação. Esperemos que surja uma maior capacidade de operacionalizar. Só quando temos pouco vamos à procura de melhorar o desempenho», referiu, destacando ainda que a Farmácia foi evoluindo muito no último quarto de século, pelo que “A Arte da Gestão – Manual Prático da Farmácia” é um «livro que procura multifacetar a farmácia».

Isto porque, segundo Hipólito de Aguiar, o «gestor atual de uma farmácia tem de facto de ter várias valências». «Consegue às vezes ter um quadro em que as pessoas o vão ajudando, mas é um trabalho multifacetado, solitário e em que aprendemos connosco, num autodidatismo otimizado e vamos começando a ter rotinas. A gestão não se concretiza num dia, temos de pôr a mão na massa», acrescentou.

Pensar sobre o consumidor

Apresentado o livro, chegou a hora de dar a palavra aos dois convidados, com Isabel Lima a fazer a sua apresentação. Definida como “fora da caixa” por António Hipólito de Aguiar, Isabel Lima (farmacêutica, mestre em Gestão de Marketing e pós-graduada em Marketing Digital) é alguém que, partindo da farmácia, rumou às paragens do marketing, para aí se especializar e tentar devolver o conhecimento entretanto adquirido.

A especialista falou de alguns erros cometidos a nível de marketing digital, partindo deles para elaborar e explicar o que é bom procedimento, quer geral, quer, neste caso, para as farmácias. E foi assim que Isabel Lima declarou, de forma clara e perentória, que «o mundo mudou muito, mas as farmácias mudaram pouco no que diz respeito ao marketing digital”.

Na imagem da apresentação que trouxe ao Centro de Congressos de Lisboa, Isabel Lima mostrou a cara de uma idosa, para depois concluir, que «a conetividade mudou o mundo. O que eu ouvia há uns anos era que não vale a pena as farmácias estarem no digital porque os nossos clientes são todos velhinhos e não estão na Internet. A verdade é que o nosso país é dos cinco mais envelhecidos… só que 85% estão ligados online, portanto temos de olhar para esta senhora [na imagem] e pensar que são estes os nossos clientes da farmácia e eles estão na Internet e nas redes sociais».

Por outro lado, «sabemos que o uso massivo de internet modificou todo o processo habitual de compra. O que acontecia há 20 anos, quando entrei no mercado da Farmácia, não acontece atualmente. O nosso consumidor tem uma necessidade, vai pesquisar sobre isso, avaliar alternativas e pesquisar muito online. E os dados não nos enganam: dos consumidores portugueses que são utilizadores de internet, 50% pesquisa sobre assuntos relacionados com a Saúde», acrescentou.

Destacou igualmente que «a nível mundial, 35% das pessoas referem que o principal motivo para utilizarem a internet é pesquisar sobre saúde e produtos de saúde». «São dados que nos devem fazer pensar. Temos um consumidor quase pós-pandémico muito híbrido. É um consumidor para quem conforto, conveniência e experiência positiva são palavras de ordem», dizendo ainda que «não é um consumidor fiel, que tenha hora ou local fixo para fazer compras». «Temos de pensar sobre este consumidor», aconselhou.

A expressão “fora da caixa”

Isabel Lima considera que a farmácia «ter de estar nos canais digitais, mas naqueles onde estão as pessoas». Mais erros apontados, entre outros, foram a confusão entre estratégia e tática. «Temos de ir para o digital porque a outra farmácia já lá está… Começamos com as táticas e esquecemo-nos da parte estratégica. Temos de parar para pensar, olhar para dentro das nossas empresas e percecionar como consigo executar uma estratégia de marketing digital», rematou.

Essencial é também «trabalhar o SEO», adiantando que «Search Engine Optimization não é mais do que melhorar um site para que este tenha um parecer mais favorável dos motores de pesquisa (vamos pensar Google aqui, claro). Não é mais, mas é tudo e pode ser complexo», explicou Isabel Lima, prosseguindo: «O que é certo é que temos de aparecer. Temos de otimizar sempre o site para os robots do Google gostarem da nossa farmácia. Não é um trabalho com resultados a curto prazo, mas numa loja online de farmácia, cerca de metade dos visitantes surge das pesquisas».

Parcerias com influencers como oportunidade, estudar bem quem queremos impactar, não cometer o erro de falar para todos acabando por não falar para ninguém e não ignorar os contactos do público foram outros reparos deixados pela especialista. E acrescentou um “extra”: «no marketing digital podemos e devemos medir tudo. Controlar as nossas ações de marketing é obrigatório, porque depois do investimento é necessário controlar as campanhas e o resultado do investimento».

Um clássico: retorno e investimento

Esta última parte, a finalizar a apresentação, foi a deixa certeira para o economista Gonçalo Sousa Rodrigues. Medir, controlar, antever, recursos e retorno foram algumas das palavras fortes da sua apresentação.

«O que está aqui em causa é o que está sempre em causa, ou seja, o retorno sobre o investimento. E como é que podemos avaliar o impacto do investimento em marketing digital? Exatamente da mesma forma que avaliamos o impacto de qualquer investimento. Aloco recursos com vista a um retorno», começou por dizer, acrescentando que «risco e retorno andam em sentido contrário». Mais risco, mais retorno e menos risco, menos retorno.

As farmácias também foram “alvo” das falhas identificadas, sendo que nos seus 27 anos de carreira, Gonçalo Sousa Rodrigues verificou que «a maior parte dos investimentos, sejam eles na idade de ouro ou idade da pedra das farmácias, raramente tiveram em consideração o retorno face à alocação de capitais, tendo em conta os recursos exigidos».

O erro da «navegação à vista»

O economista tomou ainda algum tempo para explorar as várias opções de considerar e contabilizar um possível retorno, visto que «há sempre incerteza sobre geração de cash-flows no futuro», porque se está a comparar «dinheiro em diferentes momentos do tempo, porque um euro hoje vale mais que um euro amanhã». «A dificuldade é estarmos a comparar em diferentes momentos do tempo valores que são incomparáveis. E ainda temos a inflação. Existe um problema de se considerar que o dinheiro vai valer o mesmo que atualmente», explicou.

Falando da «navegação à vista que tipicamente se encontra» muito pelas farmácias, disse ainda que, tendo em conta as várias hipóteses de projetar e medir o investimento, há algumas que não devem ser usadas. Entre elas estão expressões como “tenho olho para o negócio”, “isto é capaz de dar”, “vamos ver como isto corre” ou “se perder dinheiro, a farmácia aguenta”.

Sem este trabalho de bastidores em relação, ao fim ao cabo, ao que se faz ao dinheiro, Gonçalo Sousa Rodrigues terminou dizendo que «a farmácia aguenta porque entra tudo para o mesmo bolo e, depois, só se repara que algo está mal quando o dinheiro começa a escassear».

Antes de os três oradores passarem à sessão de autógrafos do novo livro, António Hipólito de Aguiar quis encerrar a sessão dizendo que na Farmácia «imperam necessariamente as pessoas» e pratica-se «um modelo de relação pessoal e é nisso que reside a lógica e sucesso da Farmácia».

«Nós podemos ser tudo o que queremos», enfatizou o autor, rematando: «não se sintam manietados pelo facto de a vossa profissão ser essencialmente técnica e científica, porque há casos de colegas que saíram da sua zona de conforto».

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO #363 (MARÇO 2023)