No mandato do último Governo, se houve algo que correu bem foi a política do medicamento. Tal pode observar-se nos dados, mas também se observava na farmácia. Cada vez que, na qualidade de utente me dirigi à farmácia para comprar medicamentos, estes estavam de facto, mais baratos. Tal facto, leva a um menor gasto, quer do lado das famílias, quer do próprio sistema de saúde. Nos dados há dois indicadores fundamentais que espelham o facto que comento acima: o preço dos medicamentos desceu, e a quota de mercado dos medicamentos genéricos tem vindo a subir, apesar de uma diminuição no seu potencial, já que o peso dos medicamentos sob protecção de patente, tem vindo a aumentar, podendo revelar um mercado onde a inovação tem cada vez mais peso, ou importância. É preciso analisar se esta performance se continuará a materializar num futuro próximo. Com a queda do XX Governo Constitucional, o Presidente da República poderá indigitar António Costa para a formação de um Governo. Da parte deste, já existe uma Proposta de Programa de Governo para a XII Legislatura, que se conhece publicamente, e é sobre a mesma que vai incidir este comentário. A primeira menção ao medicamento aparece associada à criação de um Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados, onde se pretende estimular uma «utilização racional e segura do medicamento», a promover através da valorização do «papel das farmácias comunitárias enquanto agentes de prestação de cuidados». Quer-se também promover «uma política sustentável na área do medicamento», conciliando «rigor orçamental» e «o acesso à inovação terapêutica» O primeiro pilar desta política são a revisão dos «mecanismos de dispensa e de comparticipação de medicamentos dos doentes crónicos em ambulatório», indo ao encontro do sucesso já mencionado em relação aos fármacos de toma regular, em que a concorrência aumentou, causando a baixa de preço. O segundo pilar é a «promoção do aumento da quota de mercado de medicamentos genéricos», assumindo aqui uma política de continuidade com a anterior, neste domínio. O terceiro e último é o estímulo à «investigação e à produção nacional no setor do medicamento», onde parece que se quer continuar a enfatizar a inovação neste mercado, apesar de grande parte dos medicamentos não serem de raiz nacional. O comentário que dedico à política do medicamento que se escreve nesta proposta de Governo consta de um defeito e de um elogio. Começando pelo defeito, o que ali está escrito são objectivos e não medidas que serão tomadas. A forma como se atingem muitos objectivos bons, por vezes não é a melhor, e a ausência de medidas a tomar nesta proposta deixa-nos sem muito para opinar. É contudo compreensível. Ninguém que ainda não tenha sido chamado a formar Governo, tem de ter uma proposta de Programa de Governo. O elogio é notório, no que disse acima. Apesar das lutas ideológicas entre as duas grandes forças políticas em causa, apesar das divergências, apesar de juntas nem conseguirem entendimento para governar (com à volta de 70% dos votos), as metas e objectivos na política do medicamento são partilhadas. É bom ver um partido a ir buscar a outro o que este fez ou quer fazer de melhor. A sugestão de políticas que coloco, prende-se com o objectivo do aumento da quota de mercado, e das medidas a serem tomadas. A prescrição de medicamentos unidose para casos pontuais de tratamento poderá eliminar o desperdício, reduzindo custos, o que se pode reflectir no preço, e flexibilizar o mercado – onde se incluem os genéricos – para que a quota de mercado aumente. A forte aposta em tecnologias de informação deve ser tomada. Centralizando desde a prescrição à farmácia, com acesso por parte do utente, em que este possa partilhar a sua experiência, e os resultados da toma quer do medicamento de marca, quer do genérico, irá ajudar quer a um enforcement da bioequivalência quer ao aumento de confiança por parte de utentes e prescritores. Posto isto, que governe quem o fizer melhor, dentro do que é legítimo, mas que o sector do medicamento continue a evolução que este Portugal em crise tem vindo, mesmo assim, a assitir. Filipe Correia
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores) |