Esta crónica é escrita em pleno período de férias. Um período propício ao descanso, ou pelo menos ao abrandamento das nossas atividades quotidianas. E, espera este vosso escriba, também um período para retomar alguma da normalidade que nos foi sonegada pela pandemia. Uma normalidade ainda cautelosa – a testagem e as medidas de proteção sanitária a nível individual e comunitário permanecem tão relevantes como sempre – mas que já vai contemplando o processo de reabertura da sociedade em geral com uma relativa margem de confiança.
Esta possibilidade surge, fundamentalmente, como resultado da vacinação contra a COVID-19. E na semana que findou foram publicados dois dados muito importantes que constituem verdadeiros marcos deste (creio que não será exagerado chamar-lhe histórico) processo: 12 milhões de doses administradas e 70% da população portuguesa já tem pelo menos uma dose, sendo que cerca de 58% já tem a sua vacinação completa. Constatamos assim que, em 8 meses, a mobilização dos recursos do Estado permitiu a concretização de um fenómeno com uma natureza quase exponencial.
Este processo não é único na sua essência: se olharmos um pouco mais à nossa volta, com uma lente mais ampla, verificamos o caráter radical e célere da adaptação da sociedade, nas nossas vidas pessoais e profissionais, à situação pandémica (com os inevitáveis sobressaltos e ‘galos’ na cabeça) em tantos outros processos, com ou sem intervenção estatal. Quão celeremente passámos (quando possível) para o teletrabalho? Quantas reuniões em videoconferência que anteriormente eram impreterivelmente em pessoa passaram a ser possíveis? Quantos aniversários e outros eventos familiares e sociais se passaram a realizar com recurso aos mesmos instrumentos? Este parece ser o padrão de uma época pautada pela tecnologia e pela economia política que é por ela moldada ou, pelo menos, influenciada.
Para aqueles de nós que procuram detetar tendências e padrões de longo prazo, a conclusão parece não ser muito distante de uma frase de Sam Seaborn, a personagem potencialmente mais idealista da série ‘Os Homens do Presidente’ (no original inglês, ‘The West Wing’): devemos falar sobre o facto de não estarmos satisfeitos com as soluções do passado. Devemos falar sobre uma revolução permanente.
Na série em questão esta citação é atribuída ao ‘Pequeno Livro Vermelho’ de Mao Zedong. E, embora seja estranho para mim (e ainda mais para um americano!) citar, ainda que indiretamente, Mao, a verdade é que esta frase reflete a tendência da era exponencial, como Azeem Azhar escreve na sua newsletter ‘Exponential View’ (que subscrevo e cujo conteúdo aconselho a todos quantos se interessam pela forma como a tecnologia está a alterar as nossas vidas): uma revolução permanente.
Pelo seu caráter, ocorrerá a um passo rápido. Pela sua designação, nunca estará completamente concluída e irá, de forma contínua, abalar as fundações das nossas instituições e, portanto, das nossas vidas. Pela sua natureza, esta expressão contém em si o núcleo do pensamento reformista inconformado. E, se é verdade que não concordaria jamais com os métodos e com muitas das ideias de Mao, isso não significa que as suas palavras não permitam caracterizar com extraordinária precisão os tempos que vivemos e, consequentemente, que daí possamos derivar utilidade.
Para operar essa revolução de uma forma que nos seja vantajosa enquanto comunidade é essencial garantir a alargada participação democrática e a audiência de diversos pontos de vista, de modo a perceber que soluções do passado já não nos satisfazem, bem como a forma como queremos mobilizar os nossos recursos para o futuro. Se a tarefa vos parece hercúlea, é porque o é. Mas a população portuguesa em geral e os diversos atores do nosso SNS de forma concreta provaram que é possível. Pela primeira vez em algum tempo provámos a nós mesmos que éramos capazes de um feito extraordinário.
Sejamos, então, capazes de acreditar que essa possibilidade é extensível aos diferentes domínios que nos inquietam. Tenhamos em nós a coragem para promover, de forma permanente, essa revolução. E saibamos aproveitar um pouquinho das nossas férias para pensar por onde começar.
Diogo Nogueira Leite
Economista e doutorando em Ciência de Dados de Saúde
Nota: Este artigo reflete somente a perspetiva do autor e só a ele o vincula, não refletindo necessariamente as visões de quaisquer instituições com as quais colabore.