A maioria dos coordenadores das Unidades de Saúde Familiar (USF) considera que estas estruturas perderam autonomia com a generalização das Unidades Locais de Saúde (ULS), que tornou “menos atrativo” o modelo B, com pagamento por objetivos.
O estudo, feito pela Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiares (USF-AN), entre 24 de julho e 15 de setembro deste ano, e em que participaram 495 (75,5%) coordenadores das 656 USF existentes na altura, aponta fragilidades ao modelo de negociação entre as USF e a respetiva ULS, com “necessidade de vigilância desta tendência nos próximos anos”.
O trabalho ‘O Momento Atual dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal’, que pretendeu caracterizar o estado da reforma dos Cuidados de Saúde Primários de 2005, concluiu que mais de metade das USF (54,5%) considera que a ULS em que se integra não respeita a sua autonomia, resultados considerados “preocupantes” pela associação.
“Um dos pilares basilares do funcionamento e da organização das USF parece estar comprometido, colocando em risco a qualidade dos cuidados prestados aos cidadãos”, escreve a USF-AN no relatório, a que a Lusa teve acesso, e que será hoje apresentado em Santarém, no 15.º Encontro Nacional de USF.
Além de mais autonomia para os órgãos de gestão dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), os coordenadores das USF defendem a necessidade de mais autonomia financeira da ULS – que integram centros de saúde e hospitais – para a contratação de profissionais e serviços.
A descentralização da tomada de decisões, especialmente no que se refere à gestão da carga horária e organização interna das USF, é apontada como uma “necessidade emergente” que tem encontrado “resistências recorrentes”.
Mais de três em cada quatro USF (78,6%) disseram ainda ter em dívida valores relativos aos incentivos institucionais, verbas a que podem aceder se conseguirem atingir os objetivos de qualidade e que podem utilizar, por exemplo, para formação dos profissionais e melhorias nas unidades de saúde.
O documento critica o automatismo da passagem das USF modelos A para o modelo B, sem necessidade de cumprir os parâmetros anteriormente exigíveis para “atestar a maturidade da equipa”.
A este respeito, a USF-AN considera que teria sido melhor manter a transição pelo modelo A, “com o suporte adequado das equipas de apoio” e das ULS.
“O verdadeiro problema não residia na necessidade de generalizar automaticamente o modelo B, mas sim nos atrasos sistemáticos e nas quotas que desmotivavam as equipas, impedindo uma transição natural e bem estruturada”, sublinha o documento.
Os coordenadores das USF criticam a forma como decorreu a generalização das ULS, que entrou em vigor este ano, considerando que foi “pouco planeada, estruturada e transparente”.
O estudo aponta igualmente para uma crescente importância do poder local na gestão dos CSP, embora com “variações consideráveis” entre regiões, e sublinha que as autarquias foram ineficazes para responder às novas competências que receberam na área da saúde.
A dificuldade em conciliar a atividade na USF com a vida pessoal e familiar foi a principal preocupação apontada pelos coordenadores das USF, o que – segundo o estudo – reflete o impacto do excesso de trabalho, um desafio que se agrava com a dificuldade em atrair profissionais para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A falta de políticas claras para dar prioridade aos CSP e de comunicação entre programas informáticos nas USF, além da elevada dimensão da lista de utentes, são outros dos problemas apontados.
O documento indica ainda a falta de regras claras e funcionais de recrutamento e mobilidade dos profissionais e as falhas no recrutamento de novos médicos de família, áreas consideradas críticas e que “exigem intervenção urgente e reformas estruturais” para garantir a eficácia das USF.