Utilização excessiva de psicofármacos em Portugal: um problema antigo a precisar de novas soluções? 864

Estudos recentes demonstram a existência de uma prescrição crescente de psicofármacos em Portugal, nomeadamente de antidepressivos e antipsicóticos [1]. Também em relação aos ansiolíticos, hipnóticos e sedativos (AHS) a prescrição excessiva foi considerada preocupante pelo International Narcotics Control Board em 2006 e exposto em publicações nacionais nos anos subsequentes [2].

Especificamente quanto aos AHS, entre os efeitos secundários associados ao seu uso estão incluídos a sonolência diurna, lentificação psicomotora, descoordenação motora (relacionada com quedas), tonturas, disfunção cognitiva e dependência [3].

Quanto aos antipsicóticos, tem-se verificado uma utilização progressivamente crescente, sobretudo dos antipsicóticos de segunda geração. O aumento exponencial destas prescrições, como é o caso do fármaco Quetiapina [1], poderá ser indicativo da sua utilização inadequada como indutor do sono ou para o controlo de alterações do comportamento nos idosos, como tem sido demonstrado noutros países europeus com padrões de prescrição semelhantes[4].

A maioria das prescrições de antidepressivos e AHS em Portugal é realizada em cuidados de saúde primários, facto que deve ser considerado como adequado, dada a maior quantidade e melhor acesso a estes especialistas para o tratamento das doenças mentais comuns (ansiedade e depressão), cuja prevalência em Portugal é a segunda mais elevada da Europa [5]. Tem sido discutido no meio clínico as possíveis razões que levam a este padrão de prescrição que no caso dos AHS é claramente excessiva e desadequada.

Na opinião de alguns especialistas em medicina geral e familiar (MGF), as razões para este facto poderão relacionar-se com a insuficiente colaboração com os especialistas em psiquiatria, a dificuldade/especificidade na gestão/tratamento da pessoa com doença mental, com o pouco tempo estipulado para as consultas médicas nos novos modelos de Unidades de Saúde Familiar (USFs), o pouco tempo de formação em psiquiatria e saúde mental durante o internato médico (durante a especialidade de MGF, dos 4 anos de formação apenas 3 meses eram dedicados à formação em psiquiatria e saúde mental, tendo recentemente esse período sido reduzido para 2 meses), a falta de outros instrumentos terapêuticos, nomeadamente a dificuldade de encaminhamento para um acompanhamento psicológico adequado.

Independentemente das opiniões ou razões, considerando que as doenças mentais são uma das principais causas de incapacidade no mundo [6], os custos com um tratamento desadequado destas patologias deverão ser seriamente considerados.

A utilização excessiva de psicofármacos não é um problema novo em Portugal, no entanto, urge serem implementadas as soluções também há muito conhecidas para a melhoria da qualidade do cuidado (que levaria a menor necessidade de prescrição?), nomeadamente a implementação de programas de promoção de saúde mental, inclusão de indicadores de contratualização dos cuidados de saúde mental visando as doenças mentais comuns, maior acesso a consultas de psicoterapia em cuidados de saúde primários, colaboração e formação contínua em temas de saúde mental nos cuidados de saúde primários.

Se o problema não é recente e as soluções são conhecidas, por que estamos então à espera?

Referências:

1.    Carvalho, Á., P. Mateus, and M. Xavier, Saúde Mental em Números 2015. 2016.
2.    Furtado, C. and I. Teixeira, Utilização de benzodiazepinas em Portugal continental (1999-2003). Acta Médica Portuguesa, 2006. 19(3): p. 239-46.
3.    Holbrook, A.M., et al., Meta-analysis of benzodiazepine use in the treatment of insomnia. Canadian Medical Association Journal, 2000. 162(2): p. 225-233.
4.    Olfson, M., M. King, and M. Schoenbaum, Benzodiazepine use in the United States. JAMA psychiatry, 2015. 72(2): p. 136-142.
5.    Caldas de Almeida, J. and M. Xavier, Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental. 2013, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa.
6.    Whiteford, H.A., et al., Global burden of disease attributable to mental and substance use disorders: findings from the Global Burden of Disease Study 2010. The Lancet, 2013. 382(9904): p. 1575-1586.

Teresa Reis

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)