Vacina contra a gripe: Uma análise de comportamento 944

As vacinas contra a gripe permitem reduzir a mortalidade e morbilidade associadas ao vírus da gripe, são seguras e eficazes.1 Em Portugal, a vacina da gripe é recomendada a pessoas com idade igual ou superior a 65 anos, doentes crónicos e imunodeprimidos, grávidas, profissionais de saúde e outros prestadores de cuidados, sendo mesmo fornecida gratuitamente a alguns destes grupos de risco. Quando não gratuita, a vacina é dispensada nas farmácias de oficina, através de prescrição, sendo comparticipada a 37%.2

Em 2015/16 a cobertura da vacinação contra a gripe na população Portuguesa foi de 16,2%, enquanto que no grupo de 65 ou mais anos a cobertura foi de 50,1%.3 Um valor que se tem mantido constante e que se encontra abaixo do objetivo de 75% de cobertura definido para 2010 pela OMS, especificamente para o grupo dos idosos.4 A economia tradicional tem alguma dificuldade em explicar esta baixa cobertura, uma vez que as pessoas optariam por ser vacinadas quando o benefício da vacinação (redução no risco de infeção) fosse superior ao seu custo (por exemplo, em termos do tempo dispensado para tomar a vacina). Assim, para aumentar a cobertura, seria suficiente atuar na diminuição dos custos da vacinação, através de maior acessibilidade, quer em termos da descentralização da toma ou da sua gratuitidade. No entanto, apesar das garantias de segurança e eficácia da OMS, e da vacina ser administrada gratuitamente a diversos grupos populacionais, a cobertura ainda é baixa. Isto pode ser explicado por algumas dificuldades na avaliação dos custos e dos benefícios da vacina, como por exemplo: 5,6

– As pessoas são demasiado otimistas em relação a elas próprias e, por isso, acham-se menos suscetíveis a doenças do que as restantes, subvalorizando a possibilidade de contrair gripe.

– As experiências negativas são mais memoráveis do que as experiências positivas. Por isso, quando existe uma falha na proteção na vacina, tende-se a sobrestimar as falhas da vacinação.

– Existe a tendência para optar pelo default (default bias), isto é, resistência a mudar para outra situação diferente da inicial. Por isso, a decisão de tomar a vacina é menos confortável do que se manter na situação atual.

– Geralmente, as pessoas dão mais valor ao momento presente do que ao futuro (enviesamento para o presente), o que se pode traduzir num desincentivo à vacinação, uma vez que a vacina tem custos imediatos, mas os potenciais benefícios serão apenas obtidos a longo prazo.

– A opinião de terceiros é valorizada e tida em conta para a tomada de decisão, o que pode ter um “efeito bola de neve” acerca de preconceitos de que as vacinas não funcionam, de que são elas próprias causadoras da gripe, ou de que existe baixo risco de contágio.

– Estudos recentes, baseados em economia comportamental, sugerem diversas estratégias que podem ser utilizadas para dirimir estas falhas e, assim, aumentar a cobertura vacinal. Um exemplo é utilizar a aversão das pessoas à perda, alterando as mensagens transmitidas à população de forma a salientar as perdas originadas pela falta de vacinação, em vez de sublinhar os seus ganhos potenciais. Apesar de aparentemente estas mensagens serem iguais (a redução de risco de infeção com a vacina é igual ao risco acrescido pela não vacinação), somos mais sensíveis às perdas do que aos ganhos. Assim, as intervenções baseadas na economia comportamental, que permitem atuar na forma como as pessoas avaliam os custos e benefícios da vacina, mostram-se promissoras em termos do aumento da taxa de cobertura da vacina contra a gripe, maximizando o bem-estar social.

Joana Alves,

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

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1.    Vaccines against influenza WHO position paper – November 2012. Wkly. Epidemiol. Rec. 2012; 87:461–76.
2.    Orientação nº 018/2017 de 26/09/2017 da Direção Geral de Saúde.
3.    Sousa Uva, M., Kislaya, I., Roquette, R., Rodrigues, A. P., & Machado, A. (2016). Vacinação antigripal da população portuguesa na época 2015/2016: estudo na amostra ECOS.
4.    WHO (2014). Seasonal vaccination policies and coverage in the European Region. Online: http://www.euro.who.int/en/health-topics/communicable-diseases/influenza/vaccination/seasonal-vaccination-policies-and-coverage-in-the-european-region
5.    Chen, F., & Stevens, R. (2016). Applying lessons from behavioral economics to increase flu vaccination rates. Health promotion international, daw031.
6.    Betsch, C., Böhm, R., & Chapman, G. B. (2015). Using behavioral insights to increase vaccination policy effectiveness. Policy Insights from the Behavioral and Brain Sciences, 2(1), 61-73.