Falar de valor em saúde poderá ser sinónimo de falar de ética e de moral para os cuidados de saúde? Poderemos encontrar uma ligação entre prestação de cuidados de saúde com base em valor e ética em cuidados de saúde? Que compromissos será necessário assumir para que valor e ética possam ser os numerador e denominador comuns das políticas de saúde, e principalmente o modus faciendi dos sistemas de saúde?
Isabel e Michel Renaud têm apresentado as seguintes definições de ética e de moral. “A ética é a teoria que percorre o itinerário desde a interioridade do agir para a sua fundamentação, ao passo que a moral analisa o percurso que vai da autonomia do agir e da sua institucionalização para a compreensão da sua normatividade ou legalidade”. Assim, a ética ocupa o lugar dos princípios que orientam a ação e a moral é o elemento de julgamento dessa mesma ação. No contexto dos cuidados de saúde, a ética justifica a ação de responder às necessidades efetivas das pessoas, e a moral é o instrumento de medida que permite avaliar o resultado de forma personalizada e colocando a pessoa no centro dos cuidados.
Michael E. Porter e Elizabeth Teisberg deram início ao um movimento global que advoga que os cuidados de saúde devem deixar de ser prestados com base em volume e devem passar a ser prestados com base no valor em saúde adicionado pela prestação de cada ato médico. Define-se valor como o rácio entre os resultados de saúde obtidos e o custo de produzir os resultados obtidos. Por resultados de saúde, referimo-nos a indicadores por condição e ao nível do doente, tais como a taxa de mortalidade depois de uma cirurgia de bypass coronário, a taxa de reoperação depois de uma cirurgia à anca ou a probabilidade de o doente ficar incontinente depois de uma prostatectomia.
A tradicional prestação de cuidados de saúde baseada em volume assume (implicitamente) que os resultados de saúde entre os prestadores de cuidados de saúde são equivalentes, mas a evidência empírica mostra que os resultados de saúde podem divergir significativamente de um prestador de cuidados de saúde para outro. A prestação dos cuidados de saúde deve ter o objetivo de produzir tanto valor em saúde quanto possível, e isto pode ser conseguido de três maneiras – melhorando o resultado para um determinado custo, diminuindo o custo para um determinado resultado, ou simultaneamente melhorando o resultado e diminuindo o custo.
Nesta discussão, vemos como nuclear trazer à colação o processo de tomada de decisão ética como um elemento central dos cuidados de saúde baseados em valor.
A capacidade de decisão em situação constitui um dos maiores desafios dos contextos clínicos – e também dos órgãos de gestão estratégica e de política. A natureza e a complexidade das decisões em saúde modificaram-se muito ao longo dos anos, especialmente se tivermos em conta os avanços tecnológicos, o progresso científico, os constrangimentos económicos e a evolução civilizacional. Torna-se essencial que exista um método sistemático, ou modelo, que permita apoiar os decisores, os profissionais de saúde e os doentes na resolução de problemas éticos e morais. A deliberação ética proporciona uma ferramenta para assegurar a qualidade da assistência, o respeito pela autonomia, a não maleficência, a beneficência, a justiça (equidade), o respeito pela vulnerabilidade e pela dignidade, em todas as fases do processo de saúde e/ou de doença, e para todas as decisões que concebam o melhor interesse do sujeito de cuidados.
Acrescentar valor aos cuidados de saúde prestados tem necessariamente de ser um processo assente na individualidade de cada pessoa. O valor em saúde, a eficácia e a eficiência de todas as decisões em cuidados de saúde devem abraçar todo o processo fisiopatológico e a história individual da pessoa – necessidades, desejos, preferências, valores, princípios, e sentido de vida.
O processo de decisão é um elemento central na saúde e nos cuidados. O procedimento para a tomada de decisão é a deliberação ética e a decisão é o fim da deliberação. O valor em saúde põe em evidência os fundamentos éticos de cada intervenção e, desta forma, torna claro as circunstâncias que alicerçam cada tomada de decisão em saúde.
Conceptualmente, concluímos que existe ética nos cuidados de saúde quando o valor dos cuidados de saúde prestados é máximo. Além disso, a prestação de cuidados de saúde com base em valor promove a humanização dos cuidados e pretende acolher cada história individual de saúde e/ou de doença com uma resposta personalizada, eficaz e eficiente.
João Marques Gomes e Mara de Sousa Freitas
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de conhecimento Nova SBE Health Economics & Management. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)
João Marques Gomes é Professor de Value-Based Health Care na Nova School of Business & Economics e na Nova Medical School, Chair da Nova Saúde | Value Improvement in Health and Care, e CEO da Nova SBE Health Economics & Management
Mara de Sousa Freitas é Doutora em Bioética pela Universidade Católica Portuguesa – Instituto de Bioética, Investigadora na Nova Saúde | Value Improvement in Health and Care, Professora de Ética na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e Assessora no Conselho Nacional de Ética para as Ciência da Vida.