Um dos grandes desafios da Economia da Saúde prende-se com a dificuldade, aquando da observação de determinado fenómeno, em distinguir aquilo que são efeitos do lado da procura e efeitos do lado da oferta. Tal é consequência da enorme teia de relações existente entre os agentes, da abundante ocorrência simultânea de mecanismos complexos que frequentemente não se encontram noutros setores e da possível indisponibilidade/inexistência de dados que permitam identificar cada um dos efeitos separadamente. Existem, no entanto, situações em que é possível separar de forma inequívoca os mecanismos que atuam através da oferta e da procura e avaliar a importância relativa de cada um deles. Um exemplo recente é a abordagem de Amy Finkelstein e colegas (1) no que respeita a variações geográficas na utilização de cuidados de saúde nos EUA, para uma amostra composta por beneficiários Medicare acima dos 65 anos de idade. O tema das variações geográficas de cuidados de saúde é relevante na medida em que existe um elevado grau de disparidade entre regiões do país, no que toca à utilização de cuidados de saúde e, consequentemente, aos custos associados. A título de exemplo, em média, os custos anuais com cuidados de saúde de um beneficiário da Medicare em Miami ascenderam a $14.423 em 2010, quase o dobro de um beneficiário em Minneapolis ($7.819), mesmo após terem sido tidas em conta diferenças regionais em termos de idade, género e etnia. Ademais, maior utilização e maior despesa não se traduzem directamente num melhor estado de saúde. Esta não é uma temática exclusiva dos EUA, sendo vários os países que desenvolveram atlas a fim de documentar estas variações geográficas em termos de cuidados de saúde: EUA, Canadá, Holanda, Espanha, Bélgica ou Reino Unido. A evidência para Portugal é ainda reduzida, embora números da OCDE divulgados em 2014 (2) apontem para o facto de Portugal exibir variações geográficas de magnitude superior à de outros países no que toca a determinados procedimentos médicos. No caso específico de variações geográficas na utilização de cuidados de saúde, factores determinantes do lado da procura incluem diferenças relacionadas com o estado de saúde dos indivíduos ou com as preferências de cada um relativamente, por exemplo, à intensidade de tratamento. Do lado da oferta são capturados aspectos como a estrutura hospitalar na região ou os incentivos dos médicos no que toca à prescrição de medicamentos e tratamentos. Finkelstein et al. (1) utilizam, de forma simples e criativa, informação relativa a migrantes entre estados dos EUA para identificar que percentagem da variação geográfica na utilização de cuidados de saúde é atribuível a factores do lado da procura e da oferta. A utilização de migrantes é crucial para a análise realizada: imagine-se um indivíduo oriundo da área geográfica A, caracterizada por elevada utilização de cuidados de saúde, que migre para a área B, caracterizada por baixa utilização. Se toda a diferença em termos de utilização de cuidados de saúde entre A e B tiver origem em factores do lado da oferta, então espera-se que a utilização de cuidados de saúde deste individuo diminua assim que ele se desloca para B. Caso a população oriunda da região A seja efectivamente mais doente do que a de B, então não se espera que tenham lugar alterações significativas na utilização de cuidados de saúde deste individuo, uma vez que este continua a ter as mesmas necessidades em termos de cuidados de saúde. Os resultados desta análise sugerem que, para o caso dos EUA, 40 a 50% da variação geográfica existente em termos de utilização de cuidados de saúde é atribuída a factores do lado da procura. Fenómenos observados no setor da saúde podem ter causas do lado da procura ou da oferta. A distinção de cada um destes canais é, por vezes, possível com recurso a alguma criatividade e engenho em termos das variáveis e métodos utilizados pelos investigadores. Os resultados obtidos serão, contudo, sempre condicionais na organização e estrutura do sistema de saúde do país em questão. A replicação da análise com dados relativos a outros países e outras faizas etárias gerará certamente resultados distintos que reflectirão diferenças nesses aspectos. Referências: (1)Finkelstein, Amy; Gentzkow, Matthew, and Williams, Heidi. Sources of geographic variation in health care: Evidence from patient migration. Technical Report 20789, National Bureau of Economic Research, 2014. (2) OECD (2014), Geographic Variations in Health Care: What Do We Know and What Can Be Done to Improve Health System Performance?, OECD Publishing, Paris. DOI: http://dx.doi.org/10.1787/9789264216594-en Ana Moura, (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores). |