VIH/sida: Associação denuncia racionamento de medicação 371

VIH/sida: Associação denuncia racionamento de medicação

18-Fev-2014

Levantamento de dificuldades já foi entregue ao Ministério da Saúde, que não o divulga. GAT diz que é urgente agir: desde o ano passado receberam 276 queixas de doentes e cada vez é mais difícil marcar consultas para novos casos, denuncia Luís Mendão.

Faz um ano que o Ministério da Saúde impôs novas regras para a garantir a dispensa adequada de medicação a doentes com VIH/sida, mas os problemas mantêm-se. A denúncia é do presidente do GAT – Grupo Português de Ativistas para Tratamentos de VIH/sida. Luís Mendão exige que a tutela torne público o relatório sobre as dificuldades de acesso a medicação nos hospitais, solicitado pelo secretário de Estado da Saúde Fernando Leal da Costa à Direção-Geral da Saúde no final do ano passado.

O relatório foi entregue pelo diretor do Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida à tutela há quase três semanas. Desde então, e uma vez que o pedido de Leal da Costa foi público, o “i” tem solicitado acesso ao relatório, sem sucesso. O gabinete de comunicação do ministério informou a semana passada que o secretário de Estado da Saúde ainda não decidira a sua comunicação. Ontem, após um novo apelo, fonte oficial esclareceu que Leal da Costa falará sobre o mesmo «oportunamente».

Embora aguarde o balanço oficial, o GAT também lançou um inquérito no seu site. Desde a entrada em vigor do despacho que determinou que a medicação para os doentes com VIH/sida deve ser dispensada para um período de um mês, para evitar consultas ou deslocações desnecessárias, a associação recebeu 276 queixas. Luís Mendão explicou ao “i” que as denúncias revelam que os problemas que o governo procurou resolver com o diploma publicado a 6 de fevereiro do ano passado se mantêm. «Dizem respeito a situações pontuais de interrupção de dispensa de medicamentos, racionamento para períodos curtos e recusa de pedidos para dispensas superiores a um mês mesmo quando haveria justificação», explica Mendão. Nesta dispensa para períodos superiores a 30 dias, prevista quando o doente se desloca ao estrangeiro para trabalhar, a perceção da associação é que foi «abolida» na maioria dos hospitais.

Segundo a análise do GAT, as queixas abrangem 17 centros hospitalares de todo o país, grandes e pequenos: «O despacho nunca resolveu os problemas por falta de implementação». Luís Mendão diz entender que as dificuldades financeiras dos hospitais em período de restrições ou as exigências da Lei dos Compromissos possam a dificultar a dispensa, mas contesta que não sejam públicas tentativas proactivas de minimizar as dificuldades.

«Em vez de exigir condições, as administrações parecem preferir gerir mal», lamenta.

 

Referenciar é cada vez mais difícil

 

Além das dificuldades no acesso à medicação segundo as regras instituídas, o presidente do GAT avisa que está a ser cada vez mais difícil marcar primeiras consultas para novos casos como os que encontram em projetos como o Checkpoint Lx, em Lisboa, que realiza o rastreio anónimo e gratuito de VIH em grupos de risco. Em janeiro, disse o responsável, houve dez casos reativos ao teste rápido. «A indicação que temos é que em Lisboa só o Hospital Pulido Valente está a receber novos doentes», disse.

O facto de os hospitais rejeitarem doentes de fora da sua zona de abrangência é uma das razões e um problema acrescido na área do VIH: «São situações em que existe estigma e as pessoas têm receio de ser seguidas perto de casa. Por outro lado, temos situações irregulares ou inscritos em centros de saúde de locais onde já não vivem, características de populações de risco como trabalhadores do sexo». Perante uma crescente «burocracia» no acesso, admite Mendão, alguns seropositivos poderão estar a ser dissuadidos de iniciar tratamento. «No futuro pode ser um desastre. Temos 1.500 novos casos de VIH/sida por ano. Apesar de os doentes viverem mais, não temos conseguido reduzir a incidência. Sem tratamento, além de a doença poder evoluir, aumenta o risco de transmissão na comunidade».

Mais uma vez, o problema parece também estar nos orçamentos. Para o dirigente desta associação, é necessária maior flexibilidade: «Atualmente os hospitais recebem um valor por doente tratado mas dentro do que está programado. Se aparecem mais e gastarem mais na área do VIH, têm de descontar de outras doenças crónicas ou situações agudas. É compreensível que existe um problema ao nível de gestão mas problemas de saúde pública como é o caso do VIH/sida não deviam estar nesta situação de vulnerabilidade».

 

O que diz o despacho de 6 de fevereiro

 

A frequência das idas às instituições de saúde, a complexidade dos regimes terapêuticos ou a sua substituição por outros devido a razões não clínicas, constituem obstáculos à adesão à terapêutica e potenciam fatores de insucesso dessa mesma.

A medicação é dispensada para um período de 30 dias, salvo indicação clínica em contrário, garantindo assim um seguimento adequado da resposta ao tratamento e impedindo o recurso a consultas desnecessárias ou deslocações injustificadas aos hospitais. Por período inferior, só em situações excecionais. Acima de 30 dias, a pedido expresso e fundamentado do doente e parecer clínico positivo.