A guerra na Ucrânia, com sucessivas sanções e retaliações entre a União Europeia e a Rússia, despoletou uma crise energética que se tem intensificado, fazendo soar os alarmes por toda a Europa, com a aproximação do próximo inverno. A excessiva dependência de fontes fósseis de energia e a recente diminuição da produção através de energias renováveis, devido ao verão quente e seco, põe Portugal numa situação especialmente preocupante a este nível.
A energia nas casas é essencial para assegurar o conforto térmico das famílias, garantir iluminação – essencial, por exemplo, para que os alunos possam estudar -, e o uso de electrodomésticos, fundamentais, entre várias outras coisas, para o armazenamento e preparação de alimentos. Assim, antecipam-se tempos difíceis para as famílias. Com esta preocupação em mente, Sir Michael Marmot, especialista em desigualdades em saúde, alerta para a urgência de medidas uma vez que o aumento do preço da energia se acumula com outros problemas já existentes e de longa data, como «a baixa qualidade das habitações, o investimento inadequado em energia sustentável e independência energética, e a existência de famílias com dinheiro insuficiente para terem uma vida saudável».1
Contribuem para a pobreza energética, isto é, para a incapacidade de manter a temperatura adequada em casa, factores como o rendimento familiar, o preço da energia e a eficiência energética da casa. 2 Pelo que, os efeitos desta crise podem afectar especialmente os grupos mais vulneráveis da sociedade, como famílias com baixos rendimentos, com dependentes a seu cargo e de minorias étnicas. Segundo a literatura, a pobreza energética nas habitações está associada a um excesso de mortalidade e de internamentos hospitalares. Para além disso, casas sem conforto térmico no inverno são um risco acrescido para doenças respiratórias e do foro cardiovascular, podendo ainda interferir com a saúde mental dos seus moradores. 2
Países com pobres medidas de eficiência térmica nas casas, como os do sul da Europa, mesmo com um clima moderado no inverno, registam mortalidades superiores no inverno, enquanto países nórdicos, com um clima mais severo nessa estação, têm normalmente mortalidade inferior, devido à proteção conferida pelas habitações. Também países com maior desigualdade de rendimento registam maiores níveis de mortalidade sazonal.3 Portugal foi identificado várias vezes na literatura como um dos países com maior excesso de mortalidade sazonal da Europa. 3,4
A falta de conforto térmico das habitações é preocupante em todo o território nacional e o desconforto é sentido e referido pelas pessoas, de uma forma bastante normalizada.5 Segundo a ADENE, a Agência para a Energia, em 2021 foram pedidos cerca de 182,6 mil certificados energéticos para edifícios com fins habitacionais (a classificação atribuída varia de A ao F). Destes, a 58.7% foi atribuída uma certificação energética igual ou inferior ao nível C; 7.9% dos pedidos foram classificados com o nível F.
Esta semana, o governo Português aprovou um pacote de medidas de apoio para que as famílias façam face à subida dos preços da energia (e à inflação), que incluem, entre outras medidas, a diminuição do IVA da electricidade, permissão para que os consumidores de gás regressem ao mercado regulado e suspensão do aumento da taxa de carbono. Estas medidas são um penso rápido, com o objetivo de alterar o curso da crise energética que se tem agravado e as consequências nefastas para as famílias. No entanto, é necessário, em paralelo, apostar em soluções de mais longo prazo, para suavizar as consequências de eventuais futuras crises energéticas. Seja através da melhoria da qualidade energética das habitações, pela maior aposta em energias sustentáveis e pela diminuição das desigualdades de rendimento.
Joana Alves
Investigadora
Escola Nacional de saúde Pública, Universidade NOVA de Lisboa
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- Marmot, Michael; Sinha, Ian; Lee, Alice. Millions of children face a “humanitarian crisis” of fuel poverty. bmj, 2022, 378. https://doi.org/10.1136/bmj.o2129
- Institute of Health Equity and Public Health England. Fuel poverty and cold home-related health problems. 2014. [LINK]
- Healy JD. Excess winter mortality in Europe: a cross country analysis identifying key risk factors. Journal of Epidemiology & Community Health 2003; 57:784-789. https://doi.org/10.1136/jech.57.10.784
- Fowler, Tom, et al. Excess winter deaths in Europe: a multi-country descriptive analysis. The European Journal of Public Health, 2015, 25.2: 339-345. https://doi.org/10.1093/eurpub/cku073
- Horta, Ana, et al. Energy poverty in Portugal: Combining vulnerability mapping with household interviews. Energy and Buildings, 2019; 203: 109423. https://doi.org/10.1016/j.enbuild.2019.109423